A recente decisão da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), ao condenar uma instituição bancária a ressarcir uma correntista vítima do “golpe do falso emprego”, reafirma a robusta jurisprudência que imputa às instituições financeiras a responsabilidade objetiva por danos decorrentes de fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Tal entendimento se alinha com a Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que regem a relação entre bancos e consumidores.
Contexto do Caso:
No caso em questão, a correntista foi ludibriada por estelionatários que, sob a falsa promessa de uma vaga de emprego, a induziram a realizar diversas transferências via Pix para contas de “laranjas”. A vítima efetuou 15 transferências que totalizaram mais de R$ 30 mil, percebendo a fraude somente após as operações. Inicialmente, o pedido de reparação por danos materiais e morais foi julgado improcedente em primeira instância, mas o TJ-RS, em sede de apelação, reformou a sentença.
Fundamentação Jurídica da Decisão:
A decisão do TJ-RS baseia-se em pilares fundamentais do direito consumerista e da responsabilidade civil:
- Responsabilidade Objetiva da Instituição Financeira (Art. 14, CDC): O Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, independentemente da existência de culpa. No caso das instituições financeiras, a atividade bancária, por sua natureza, envolve riscos inerentes, e o dever de zelar pela segurança das operações e pela idoneidade das contas abertas em seu sistema é parte essencial dessa prestação de serviço.
- Fortuito Interno: A Súmula 479 do STJ é clara ao dispor que “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. O “golpe do falso emprego” e a utilização de contas de “laranjas” para a recepção dos valores são considerados fortuitos internos. Isso significa que tais eventos são riscos inerentes à própria atividade bancária, e não eventos externos e imprevisíveis que poderiam afastar a responsabilidade do banco. A falha na prevenção e identificação de contas fraudulentas e na mitigação de riscos de fraudes é um defeito na prestação do serviço.
- Dever de Segurança e Verificação de Autenticidade: O acórdão ressaltou a falha da instituição financeira em adotar medidas de segurança eficazes, como a devida verificação da autenticidade e regularidade na abertura das contas destinatárias dos valores fraudulentos. A falta de apresentação de documentos que comprovassem a idoneidade dos titulares dessas contas reforçou o entendimento de que o banco não agiu com o devido zelo.
- Inaplicabilidade da Culpa Exclusiva da Vítima ou de Terceiro: Embora a vítima tenha sido ludibriada, o entendimento predominante é que o descuido da vítima em fraudes bancárias não exclui a responsabilidade da instituição financeira, especialmente quando há falha no sistema de segurança do banco. A culpa exclusiva de terceiro (o estelionatário) não afasta a responsabilidade do banco, pois o dano decorre de um risco intrínseco à sua atividade.
Implicações da Decisão:
A decisão do TJ-RS é de suma importância por reforçar a proteção ao consumidor em face das crescentes e sofisticadas fraudes eletrônicas. Ela sinaliza que as instituições financeiras não podem se eximir de sua responsabilidade sob o argumento de que a fraude foi praticada por terceiro ou que houve alguma ingenuidade da vítima. Pelo contrário, recai sobre os bancos o ônus de investir em mecanismos de segurança robustos, identificar padrões suspeitos de transações (como múltiplas transferências de alto valor para diferentes destinatários em um curto espaço de tempo) e coibir a abertura e utilização de contas por “laranjas”.
Em suma, a decisão do TJ-RS no caso do “golpe do falso emprego” sublinha que a responsabilidade das instituições financeiras é inerente ao risco da atividade econômica que desempenham. O serviço bancário deve oferecer segurança, e a negligência na garantia dessa segurança, que permite a consumação de golpes, gera o dever de indenizar o consumidor lesado, conforme os ditames do Código de Defesa do Consumidor e a sólida jurisprudência do STJ.
Fonte: Processo 5002566-69.2023.8.21.0097
Por Zahir Marra Jorge