A mobilidade urbana está passando por uma verdadeira revolução. O crescimento acelerado do uso de bicicletas elétricas e ciclomotores no Brasil é reflexo de um movimento global por alternativas sustentáveis, econômicas e eficientes. Contudo, a expansão desses modais expõe uma lacuna preocupante: a ausência de políticas educativas e fiscalizadoras adequadas que orientem a população e assegurem a segurança viária.
Classificação legal e normas aplicáveis
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), especialmente após as alterações promovidas pela Lei nº 14.071/2020, e a Resolução CONTRAN nº 996/2023 (que revogou a Resolução nº 465/2013), estabelecem critérios técnicos e jurídicos para diferenciar bicicletas elétricas, ciclomotores e motocicletas elétricas.
1. Bicicletas elétricas (E-Bikes)
Segundo o art. 1º da Resolução CONTRAN nº 996/2023, são consideradas bicicletas elétricas os veículos que:
Possuam motor elétrico com potência nominal máxima de até 350 watts;
Tenham velocidade máxima assistida de 25 km/h;
Somente funcionem com o uso concomitante do pedal (pedal assistido);
Não tenham acelerador independente.
Essas bicicletas não necessitam de registro, licenciamento, nem habilitação. O uso é livre em ciclovias, ciclofaixas e vias urbanas, desde que respeitadas as normas de circulação do art. 58 do CTB, que garante preferência aos ciclistas e determina circulação no bordo direito da pista, no mesmo sentido do fluxo de veículos.
O uso de capacete de ciclista é fortemente recomendado (e obrigatório em alguns municípios), bem como o uso de equipamentos de segurança (refletores, campainha, sinalização noturna, entre outros).
2. Ciclomotores elétricos
Já os ciclomotores, conforme o art. 96, inciso I, alínea “d” do CTB, são veículos de duas ou três rodas, com motor de combustão ou elétrico até 50 cm³ (ou potência equivalente) e velocidade máxima de 50 km/h.
Esses veículos devem ser registrados e licenciados, conforme o art. 120 do CTB, e o condutor precisa possuir Autorização para Conduzir Ciclomotor (ACC) ou Carteira Nacional de Habilitação (CNH) categoria A.
Além disso, o uso de capacete com viseira ou óculos de proteção é obrigatório (art. 54, I, CTB), bem como a observância das regras de circulação em vias públicas — é vedada a circulação de ciclomotores em calçadas, ciclovias e passarelas.
3. Regras gerais de circulação e segurança
Tanto para bicicletas elétricas quanto para ciclomotores, aplicam-se os princípios do art. 29 do CTB, que impõem deveres de cautela aos condutores e prioridade à preservação da vida.
As infrações são previstas, por exemplo, nos arts. 244 (conduzir sem capacete) e 230 (dirigir veículo sem registro/licenciamento), podendo gerar multa, apreensão do veículo e suspensão do direito de dirigir.
Educação e fiscalização: o ponto crítico da política pública
Embora as normas existam, o problema central está na falta de conhecimento e aplicação coerente dessas regras. Muitos condutores utilizam ciclomotores elétricos acreditando tratar-se de simples bicicletas, e inúmeros municípios ainda não regulamentaram de forma específica a circulação desses veículos, o que cria um vácuo fiscalizatório.
O art. 24 do CTB atribui aos órgãos municipais a competência para planejar, operar e fiscalizar o trânsito local, incluindo a regulamentação da circulação de bicicletas e ciclomotores. Entretanto, grande parte das cidades ainda não implementou políticas integradas de educação, sinalização e fiscalização inteligente voltadas a esses novos modais.
Mais do que punir, é necessário educar e orientar. Campanhas de conscientização, sinalização adequada e capacitação de agentes fiscalizadores são medidas urgentes. Sem uma política educativa estruturada, a fiscalização tende a assumir caráter meramente repressivo, o que gera resistência e reduz a efetividade das normas.
Planejamento urbano e integração tecnológica
O avanço da mobilidade elétrica demanda infraestrutura compatível. Ciclovias seguras, faixas exclusivas, pontos de recarga, estacionamento adequado e integração com o transporte público são elementos essenciais para consolidar um modelo sustentável.
Além disso, é fundamental investir em tecnologia de monitoramento e gestão de tráfego, permitindo que os municípios façam uso de dados para planejar e fiscalizar de forma mais inteligente e preventiva.
Conclusão
A bicicleta elétrica e o ciclomotor representam o futuro da mobilidade — mas um futuro que só será verdadeiramente sustentável se for regulado, fiscalizado e, sobretudo, compreendido.
A educação para o trânsito deve caminhar lado a lado com a inovação.
A fiscalização deve proteger, e não apenas punir.
E o planejamento urbano deve enxergar esses veículos não como problema, mas como parte da solução para uma cidade mais humana, limpa e acessível.
Mobilidade elétrica é progresso — mas o verdadeiro avanço está em transformar liberdade de locomoção em responsabilidade coletiva.


